Por CBTM
Jornalista nascido no Rio de Janeiro, o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Andrew Parsons, integra a organização desde 1997. Da assessoria de imprensa para a presidência, conquistada em 2009, ele levou o conhecimento técnico e iniciativas que têm projetado o esporte Paralímpico para a mídia nacional, de modo a transformá-lo numa eficaz ferramenta de inclusão e aceitação das pessoas com deficiência.
Nesta entrevista ao Memória Olímpica, realizada a partir da sede do Comitê, em Brasília, Parsons explica em detalhes as estratégias que alçaram o Brasil ao nono lugar no quadro de medalhas em Pequim 2008 e que pretendem levá-lo ao sétimo, em Londres 2012.
Memória Olímpica: Conta como foi que você se aproximou do esporte Paralímpico.
Andrew Parsons: Eu comecei na assessoria de imprensa do Comitê Paralímpico em 1997. A partir daí, comecei a entender pouco a pouco sobre a organização, sobre o esporte Paralímpico e fui migrando dentro da própria organização. Em 2001, eu me tornei secretário geral e assim continuei até 2009, nos dois mandatos do ex-presidente Vital (Severino Neto). Em 2005, fui eleito presidente do Comitê Paralímpico das Américas. Meu mandato se encerrou em 2009, quando me candidatei e fui eleito para o Comitê Executivo do Comitê Paralímpico Internacional. Em fevereiro de 2009, também fui candidato aqui no CPB e fui eleito para um mandato de quatro anos.
MO: Você é formado em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Como você enxerga a cobertura do esporte Paralímpico pelas mídias? Você acha que existe potencial para aumentar essa cobertura?
AP: Acho que há um potencial para aumentar sim. Acredito que estamos no meio de um processo de evolução. O esporte Paralímpico foi praticamente descoberto pela mídia brasileira durante os Jogos de Atenas, em 2004. Claro que houve cobertura dos Jogos em Sidney (2000) e alguma coisa em Atlanta (1996) e em Barcelona (1992), mas acho que os de Atenas foram fundamentais para se entender o que são os jogos e os atletas Paralímpicos. Principalmente, porque nós conseguimos viabilizar a transmissão pela televisão. As pessoas e a imprensa viram as imagens e perceberam o atleta Paralímpico como um atleta e também que competições são de alto rendimento. Esse investimento foi feito pelo próprio Comitê Paralímpico, que comprou o direito de transmissão dos jogos e o repassou para os meios de comunicação. Nós oferecemos toda a estrutura e contratamos uma produtora de alto nível para fazer o serviço de produção. Também levamos os repórteres, pagamos passagens aéreas, acomodação e alimentação deles. Somada a essa cobertura, tivemos um resultado muito positivo em Atenas. Por outro lado, acho que ainda estamos em um momento de desenvolvimento. O Brasil tem uma monocultura. A gente tem o futebol como grande carro chefe, com um espaço muito diferente, muito maior do que o das outras modalidades, nos meios de comunicação. Acho que organizarmos os jogos de 2016, olímpicos ou Paralímpicos, nos dá uma grande oportunidade para desenvolver uma cultura olímpica e paraolímpica na sociedade brasileira, o que vai criar uma demanda nos próprios meios de comunicação e na sociedade, de modo mais geral.
MO: Em 2012, em Londres, e 2016, no Rio, a cobertura dos jogos vai repetir esse mesmo modelo?
AP: Não, não vai ser mais mesmo modelo, até porque o esporte Paralímpico brasileiro é algo que já tomou um corpo maior. Esse modelo, testado de certa forma também em 2007, no Parapan-Americano do Rio de Janeiro, mostrou para as redes de televisão que existe uma demanda em relação ao esporte Paralímpico. Hoje, a sociedade brasileira tem a expectativa que os Jogos Paralímpicos estarão na televisão e nos demais meios de comunicação. Então, para Londres e para o Rio, a gente já espera algo diferente.
MO: Essa expectativa não decorre também dos resultados crescentes obtidos pelo esporte Paralímpico brasileiro nos últimos anos? Em Pequim, por exemplo, a colocação do Brasil no quadro de medalhas foi melhor nos jogos Paralímpicos do que nos olímpicos, não?
AP: - É, mas eu separo as duas coisas. Sempre brinco e tenho costume de dizer que não enxergo o Comitê Olímpico como concorrente. Pelo contrário, é um grande parceiro de muitas empreitadas. Meus concorrentes são os Comitês Paralímpicos da Austrália, da Rússia, da Grã-Bretanha... Mas concordo que os resultados ajudaram muito. O Brasil vem numa curva ascendente desde Sidney. Ficamos em 36º no quadro de medalhas em Sidney, em 14º em Atenas e em nono em Pequim, além do primeiro lugar no Parapan-Americano do Rio de Janeiro. O brasileiro tem como característica prestar mais atenção e acompanhar um pouco mais aquelas modalidades nas quais um brasileiro é vencedor e, sem dúvida nenhuma, o Brasil é vencedor nos esportes Paralímpicos e não só em paraolimpíadas. A gente tem muito resultado: terceiro lugar no campeonato de atletismo, em janeiro, quinto lugar no mundial de natação, em agosto do ano passado, medalha de ouro no campeonato de mundial de ciclismo, medalha de ouro no campeonato mundial de bocha, no sul-americano de basquete de cadeira de rodas, medalha de prata no remo e a prima medalha internacional da esgrima, que foi conquistada esse ano. Uma série de ótimos resultados computados mundo a fora, que mostram como o esporte Paralímpico está numa curva ascendente.
MO: A que você atribui essa “curva ascendente” do esporte Paralímpico brasileiro?
AP: A um trabalho muito bem feito de planejamento em parceria com as confederações paraolímpicas do país. Ou seja, desde que o CPB se juntou com suas confederações, tem tido um foco muito preciso no desenvolvimento de campeões e medalhistas Paralímpicos. É um trabalho que vem sendo feito desde a aprovação da Lei Agnelo Piva. Em 2001, quando o Comitê Brasileiro começou a receber recursos financeiros de uma forma permanente, pudemos planejar em curto, médio e longo prazo e isso está transparecendo. As projeções que a gente faz para Londres são muito boas. Nossa meta é o sétimo lugar. Este ano, no Parapan de Guadalajara, é a manutenção do primeiro lugar. Basicamente, houve uma união de planejamento e de entre o CPB e suas entidades filiadas, somada ao talento e esforço do atleta brasileiro. É um país que tem muito talento. Então, a gente tem que conferir, identificá-los e desenvolvê-los. Também temos algumas parcerias que permaneceram e apostaram no esporte Paralímpico, como a própria Loteria da Caixa, que vem patrocinando algumas modalidades paraolímpicas desde 2004. Não é à toa que, nessas modalidades, o Brasil vem conquistado resultados bastante expressivos. Este ano, pela primeira vez, receberemos dela o valor de 20 milhões de reais por dois anos. Multiplicou por 10 o valor do esporte Paralímpico em menos de sete anos. Então quando há um apoio de forma permanente, uma gestão eficiente, junto com o talento do atleta brasileiro, os resultados aparecem.
MO: Como se dá o recrutamento e a construção de um atleta Paralímpico dentro da realidade brasileira? Existem centros de treinamentos e de base, onde é possível recrutar especialmente esses atletas que já nascem com deficiência e trabalhar para que eles se tornem campeões Paralímpicos?
AP: Temos uma representação muito grande com esse público que você. Temos também a pessoa em idade mais madura, que sofre um acidente, e, aí, você tem a variável se a pessoa foi atleta ou não, se ela praticava esportes ou não praticava... Nós temos um programa piloto, que começa a ser implementado só ano que vem, em que nós vamos aos centros de reabilitação. Não para garimpar talentos, mas para mostrar àqueles recém acidentados que o esporte é uma das formas para que ele possa voltar a ter uma vida produtiva. O esporte abre esse caminho para qualquer pessoa que tenha uma deficiência ou não. Para qualquer um de nós o esporte é uma ferramenta muito eficiente de educação, cidadania e saúde. A gente já implementou alguns programas para trabalhar com crianças com deficiência em idade escolar. Esse projeto tem três grandes ênfases. A primeira são as próprias olímpiadas escolares. A última edição, em 2010, contou com mais de 800 crianças com deficiências de 22 estados brasileiros. Meu objetivo é que, até o final da minha gestão, a gente consiga atingir 100% dos estados brasileiros, o que é importante porque todos eles têm que fazer seletivas locais e isso estimula os governos estaduais a atuar de forma local nos esportes Paralímpicos. Do Rio Grande do Sul ao Amazonas, há programas Paralímpicos implementados pelo poder público. A Segunda é o projeto Grupo Escolar Paralímpico, no qual a gente lança um edital, os clubes se candidatam, passam por uma comissão de avaliação e entre 20 e 22 projetos são atendidos por ano. Assim, a gente consegue fazer esse clube chegar ali na base. Existia uma reclamação que o dinheiro do esporte não chegava à base e a gente se propôs a chegar à “base da base”, como se diz, em projetos de clube para crianças em idade escolar e em parcerias com instituições de ensino. São 22 projetos pelo país, pequenos. Estamos falando de 60 mil reais por ano para cada um desses projetos, o que dá em cerca de 1,3 milhão de reais de investimento direto.
MO: E que resultados vêm obtendo?
AP: Nas competições internacionais para essas categorias de base, como o Parapan da categoria juvenil, disputado em Bogotá, na Colômbia, o Brasil ficou em primeiro lugar, com quase o dobro de medalhas de ouro do segundo colocado. O que mostra que a gente tem muito material bruto e essa é uma das formas da gente trabalhar com a categoria escolar. A partir daí, quando os atletas vão se destacando e integrando os nossos programas, temos as seleções permanentes, o Projeto Ouro... No atletismo, por exemplo, temos a seleção permanente de atletismo brasileira em nível 1, nível 2, nível 3 e o nível que nós chamamos de “jovem”, que temos chamado de geração 2016. Para os jovens é fundamental que vivam um ambiente de seleção brasileira. Já vão competindo e treinando, participando de momentos junto com os principais atletas do Brasil. Para o Projeto Ouro, nós dedicamos um pouco mais de recursos, voltados àqueles atletas que têm potencial efetivo de medalha de ouro. Dos 14 atletas participantes no ano passado, doze conquistaram medalha de ouro em campeonatos mundiais, o outro atleta conseguiu medalha de prata e outra de bronze. A gente dá toda estrutura para o atleta. Não tem bolsa, não tem dinheiro no bolso do atleta, mas tem toda a preparação: os profissionais, a equipe interdisciplinar e, se o atleta precisa treinar no exterior, o centro de treinamento. Por exemplo, neste momento, temos o Daniel Dias e a Helena Garcia, dois nadadores, treinando nos Centros de Treinamento de Altitude no México. O Odair Santos participou de competições na Espanha...Temos uma série eventos como esses, feitos sob medida, de acordo com o planejamento de cada atleta, de acordo com o resultado que ele quer atingir. Nossos projetos são entrelaçados. Temos uma série de programas que vão se entrelaçando e criam o que a gente chama de caminho para o atleta Paralímpico, desde sua primeira competição regional ou paraolimpíadas escolares até seleção brasileira.
MO: E o centro de treinamento?
AP: Não, nós não temos. Não existe centro de treinamento no Brasil, para nenhuma modalidade. Quer dizer, não existem grandes Centros de Treinamentos nem olímpico se nem Paralímpicos. Tem alguns ótimos exemplos como o vôlei, ali em Saquarema (RJ), e a própria CBF (Confederação Brasileira de Futebol) com a Granja Comary. Uma ou outra coisa... Existe, agora, uma iniciativa do Governo do Estado do Paraná, mas que vai levar um tempo para ser concluída. A gente trabalha é com centros de referência, onde nós temos algumas instalações esportivas e bons técnicos que fazem parte das nossas comissões técnicas. A gente tenta dirigir os atletas para que possam treinar e competir nessa estrutura, mas não temos estruturas de centro de treinamento como gostaríamos.
MO: Mas sabendo que boa parte dos frutos dos Jogos Paralímpicos é justamente o legado que fica para depois dos jogos, quais são as expectativas em relação ao legado do Rio 2016?
AP: O Parapan do Rio não se propôs a deixar um centro de treinamento como legado. Para nós do movimento Paralímpico, o Parapan significou bastante, principalmente em termos de conhecimento pela sociedade e visibilidade. Nós já utilizamos em outras competições, algumas dessas construções que foram feitas para o Parapan do Rio de Janeiro, como o Parque Aquático Maria Lenk, por exemplo, que a gente já utilizou em competições nossas e que vamos utilizar agora em outubro em um Open de natação. Já falando em jogos de 2016, a expectativa é outra e o centro de treinamento é uma das que está no do dossiê de candidatura. Será ali na Barra, onde hoje é o Autódromo e alguns equipamentos do Rio 2007, mas que vai ficar, na sua versão legado, como Centro de treinamento Olímpico e Paralímpico. Na versão paraolímpica, para onze modalidades. Se a gente somar esta a outras iniciativas que estão acontecendo no país afora, imagino que a realidade do esporte Paralímpico brasileiro pós 2016 será muito melhor estruturada do que é hoje.
MO: Em termos de modalidade, quais você aponta como as grandes forças do Brasil, não só pelo histórico, mas pelo que já prometem para Londres 2012 e Rio 2016?
AP: Nós temos aquelas modalidades em que tradicionalmente o Brasil já é muito forte e uma potência paraolímpica. Notoriamente, atletismo e natação. São modalidades individuais, nas quais a gente investe muito e tem um grande número de provas e medalhas em disputa. Existe o judô, em que o Brasil já vem medalhando há várias edições, seja com o Antônio Tenório, que ganhou medalha de ouro nas quatro últimas, seja também com as medalhas de prata e de bronze, inclusive no judô feminino. Há poucos meses, tivemos uma campeã mundial. No futebol de cegos, o Brasil é o atual bicampeão Paralímpico e atual campeão mundial. A bocha vem com muita força depois das medalhas de ouro em Pequim. O ciclismo conquistou, no Mundial de Praga (República Checa), do ano passado, o pódio verde-amarelo. Ou seja, em determinada prova conquistou ouro, prata e bronze. O próprio remo vem de uma medalha de prata no último campeonato mundial. São estas as modalidades em que somos muito fortes, com possibilidade de conquista de ouro na próxima edição dos Jogos Paralímpicos.
MO: E as modalidades de esporte para deficientes que não participam dos Jogos Paralímpicos, mas em que o Brasil tem destaque?
AP: Há, por exemplo, o caso do futebol de amputados, em que o Brasil é uma potência e já conseguiu diversos títulos mundiais. Não é uma modalidade Paraolímpica. Outra modalidade que não será Paraolímpica em 2012, mas já está no Programa 2016, é a canoagem. O Brasil tem dois campeões mundiais. Um deles é o Fernando Fernandes, que ficou conhecido por ter participado no Big Brother, aquele programa da Rede Globo. Eu destacaria essas duas, mas existem outras modalidades que não são Paraolímpicas, mas nas quais o Brasil vem muito bem: o basquetebol de deficientes intelectuais, que já foi modalidade Paraolímpica, a própria dança em cadeira de rodas, que vem crescendo no Brasil, ou o triatlo, uma modalidade que vai estrear no programa em 2016.
MO: Pegando o exemplo do futebol de amputados, por que ele não é incluído nos Jogos Paralímpicos? Quais são os requisitos necessários para isso?
AP: O programa dos jogos passa por um processo formal dentro do Comitê Paralímpico Internacional que tem diversas etapas. As federações internacionais inscrevem suas modalidades e fazem um programa de candidatura para que componham o programa Paralímpico. Basicamente é isso, mas há uma reformulação dentro do Comitê Paralímpico Internacional, dentro do Comitê de Jogos Paralímpicos, que eu presido. De qualquer modo, você precisa ter um número de países e continentes praticando a modalidade. Se ela for individual, é um número, e se for coletivo, é outro. Muitas vezes uma modalidade é considerada regional, tem muita força em determinado continente, mas não é uma modalidade que a gente chama de global, não está presente em pelo menos três continentes. Além disso, tem que ser uma modalidade cuja federação internacional seja signatária do Código Mundial Antidoping da WADA (World Anti-Doping Agency), que tem um sistema de classificação funcional robusto. A cada seis ou sete anos antes de cada edição dos jogos, o programa das federações é avaliado e as modalidades definidas para a paraolimpíada que vai acontecer. O programa de jogos do Rio de Janeiro em 2016, por exemplo, nós aprovamos no Comitê Internacional no ano passado, durante uma reunião em Guangzhou, por ocasião dos Jogos Parasiáticos. Nesse processo, a Federação Internacional de Futebol de Amputados nem mesmo solicitou a participação, nem inscreveu. No caso deles, a meu ver, existe uma situação um pouco mais difícil, porque existem duas versões do futebol dentro do programa Paralímpico, o futebol de cegos e o futebol de cinco. Eu sou um grande admirador de futebol de amputados, mas ainda falta desenvolver um pouco mais a modalidade em nível global, para que a gente tenha mais países e possa pleitear a inclusão nos jogos de 2020, por exemplo.
MO: Você citou que é preciso ser signatário da WADA. Como o CPB vê a questão do doping no esporte Paralímpico e tratam e orientam os atletas em relação a esta questão?
AP: O Comitê Paralímpico é signatário do Código Mundial Antidoping, da WADA. Nós temos um programa, um braço, digamos assim, dentro da nossa diretoria técnica, de combate ao doping, o que fazemos por duas formas fundamentalmente. Uma é educação, através de informações disponibilizadas em nosso site, em palestras nas competições, em cartilhas... Tentamos levar as informações aos atletas através da educação e dos exames. Temos uma política de testes e os resultados são analisados por um laboratório credenciado pela a WADA e pelo COI. A gente teve casos recentes de atletas com resultados positivos nos anos anteriores. No próprio Parapan, um atleta brasileiro foi pego no antidoping. Em 2004, tivemos outro atleta, do halterofilismo. Em 2003, tivemos uma do tênis de mesa. No caso, era uma droga social e não para performance. No início do ano passado, nós tivemos pelo menos três atletas punidos após termos encontrado substâncias proibidas por meio do exame antidoping.
MO: Você citou o caso de uso de droga social, uma questão que encontra divergências. Como você enxerga a punição nestes casos?
AP: É uma questão bastante complexa. Tem muitos atletas em categoria de base que se envolvem com maconha e drogas que não são utilizadas para ganho de performance, mas eu acho que tem que se punir mesmo no primeiro resultado positivo. É uma forma um pouco mais agressiva de coerção e faz com que esse atleta não vá reincidir no uso dessa droga social. Até, porque acho que se estará prestando um grande serviço ao atleta, estimulando-o para que não faça mais uso desse tipo de droga, uma porta de entrada para outros tipos de vícios tão ou mais danosos do que as drogas usadas para ganho de performance. Pode até se discutir o caso, mas acredito, sim, que o atleta deve ser suspenso e punido, mesmo sendo sua primeira vez ou sendo de categoria não tão adulta. Na questão do doping, temos que ter uma atitude de tolerância zero.
MO: Pensando agora nos atletas da elite paraolímpica Brasileira, você acha que eles têm condições de viver, hoje, só do esporte?
AP: Se a gente estiver falando da elite, sim. Se pegar os 30 ou 35 principais atletas Paralímpicos do Brasil, eles conseguem viver de patrocínio. E se pegar os 10 ou 15 principais, eles vivem bem. Alguns atletas têm patrocínios bastante interessantes. No que a gente chama de elite, talvez os 30 ou 35 atletas de maior destaque, isso é fruto de tudo aquilo que a gente falou no começo: a história de maior visibilidade e crescimento nos resultados.
MO: Para encerrar, gostaríamos que falasse um pouco sobre a importância do esporte Paralímpico e o destaque que ele leva à defesa da acessibilidade no dia a dia das grandes cidades, sobretudo o Rio de Janeiro, que vai sediar os jogos daqui a alguns anos.
AP: O Comitê Paralímpico não é um fim em si mesmo. Nós temos um efeito social muito grande. As discussões que se travam, hoje, no Brasil, sobre acessibilidade, inclusão e inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho tiveram um empurrão muito grande com a conquista dos atletas Paralímpicos brasileiros principalmente em 2004 e 2008. O Clodoaldo Silva, por exemplo, foi escolhido como garoto propaganda nas eleições do ano passado. Ele mostra um cidadão com deficiência, que é um atleta, mas que também vota e tem uma consciência política muito importante. Acho que esse é um dos papéis do esporte Paralímpico: mudar a perspectiva da sociedade em relação às pessoas com deficiência. Não é só convencê-las de seu potencial atlético. Quando uma pessoa que não tem deficiência se percebe torcendo, vibrando, aplaudindo um atleta com deficiência, ela percebe que pode ter alguém assim como ídolo, amigo, colega de trabalho, chefe, família. Percebe que esse alguém é mais um componente da sociedade brasileira. Acho que o esporte Paralímpico acaba por quebrar muitos preconceitos, inclusive os das próprias pessoas com deficiências. Ele estimula que uma pessoa com deficiência vá praticar uma atividade física, vá fazer esporte, não só com o intuito de se tornar um atleta do futuro ou medalhista, mas para promover saúde, integração com um círculo social que tenha valores positivos, que pratique esporte. O esporte faz bem para qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não. É um grande meio de inclusão social e de reabilitação emocional, termo que a gente usa quando uma pessoa com deficiência se percebe capaz de praticar uma modalidade esportiva em determinado nível. Ela se percebe mais confiante para desempenhar uma série de atividades no seu dia a dia, seja no trabalho ou na vida particular. Acredito que o esporte Paralímpico tenha todos esses efeitos, mas a gente só consegue fazer isso, investindo e tendo resultados de alto rendimento. Sempre digo que o atleta Paralímpico, muitas vezes, faz uma jornada que vai do fundo do poço ao topo do pódio. Pouquíssimos movimentos e manifestações humanas têm uma jornada tão interessante como esta, que vai de um momento de diagnóstico muito difícil, seja para pessoa ou para a família – com alguém dizendo que você ficou “tetraplégico” e “que você nunca mais vai andar” ou “seu filho perdeu a visão”. Aquele momento parece o fundo do poço, sem saída, mas há uma outra visão da vida. São pessoas que preferem escolher uma modalidade esportiva, treinar, se tornam campeões e representar o Brasil, conquistando medalhas para o nosso país lá fora. Ele deixa de ser, muitas vezes, a preocupação de uma família para se tornar o orgulho de um país. Por isso, qualquer brasileiro pode se interessar por histórias como essas e movimentos como esses.