Por CBTM
Londres, tão cosmopolita, com gente de tantas cores, tantos pensamentos sobre tudo, tantas crenças e descrenças, soube ser aquele mosaico que ela própria é, e que as próprias Olimpíadas são, na cerimônia de abertura dos Jogos de 2012. Da arte mais erudita à cultura mais pop, da maior sobriedade à extravagância mais gritante, do drama ao humor, uma festa de quase quatro horas deu boas-vindas ao mundo nesta sexta-feira, no Estádio Olímpico.
A apresentação do ex-Beatle Paul McCartney e o acendimento da tocha por um grupo de sete jovens atletas britânicos foram o ponto alto da histórica noite londrina - que também teve as expressões caricatamente britânicas de Mr. Bean como destaque.
Não foi uma cerimônia tão empolgante quanto a de Pequim 2008, mas deixou marcas. A coordenação do evento foi de Danny Boyle, cineasta responsável por filmes como "Trainspotting" e "Quem quer ser um milionário?". Ele privilegiou a música britânica, aproveitando uma frase tirada de Shakespeare, sobre a "ilha de sons" que receberá as Olimpíadas. A festa teve de tudo: da Rainha Elizabeth II a Harry Potter; de James Bond aos maiores grupos de rock da história.
E, acima de tudo, teve Paul McCartney. Ele fechou a festa. Emocionou com duas músicas: "Hey Jude" e "The End". A segunda deixa uma mensagem de paz ao dizer que, no final das contas, o amor que você recebe é o mesmo que você cativa.
Foi uma mistura. De certa forma, William Shakespeare dividiu palco com Mr. Bean. J.K. Rowling, a escritora de Harry Potter, esteve acompanhada por Bond, James Bond. Beatles, Stones, Queen, The Who, Eric Clapton, Amy Winehouse: chegou a ser sacanagem... Londres fez questão de lembrar ao mundo, e talvez a si própria, o quão gigantesco é seu rastro cultural, quanta história ela tem para contar - e quanta história já contou. Boa parte da cerimônia de abertura foi mais musical, literária e política do que esportiva, como que a sublinhar que as Olimpíadas vão muito além do esporte.
Houve momentos de risos e momentos de emoção. Antes mesmo das 17h, atores já interagiam com animais no palco, diante da representação de uma Inglaterra campestre, bucólica. Mas os tempos mudaram, e o centro do Estádio Olímpico também. Conforme o cenário se modificava radicalmente, trocando o verde pelo cinza, as personagens migravam do campo para a cidade. Era a Revolução Industrial, uma marca da Inglaterra. Chaminés surgiram no meio do palco. Tudo virou uma enorme fábrica.
E uma fábrica que também cria aros. Aros olímpicos. A construção de um deles foi simulada ali mesmo, por operários, enquanto os outros desciam do céu, onde logo se encontrariam para formar o símbolo que dizia ao mundo: começaram as Olimpíadas.
Corais infantis homenagearam os países da Grã-Bretanha, cada qual em algum ponto de Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Foram lembrados esportes expressivos de cada uma das nações. Em seguida, o ator Kenneth Branagh foi a palco para representar Shakespeare. "Não tenham medo; é uma ilha cheia de sons", declamou ele, fazendo referência à obra "A Tempestade", tema da abertura.
Foi o início do desfile cultural dos londrinos. E das risadas, já que o humor britânico não falha. A literatura não ficou restrita a Shakespeare. Textos infantis célebres foram lembrados. Rowling declamou trechos de Peter Pan, enquanto crianças, no palco, fugiam de monstros. Daniel Craig reencarnou James Bond para, em um vídeo, buscar a Rainha Elizabeth II no Palácio de Buckingham. Foi simulada a ida deles de helicóptero até o estádio - e o melhor: um salto de paraquedas na direção da festa. Em seguida, a Rainha (a verdadeira, não a atriz) apareceu e foi aplaudida pelo público.
A trilha sonora do filme "Carruagens de Fogo", de 1981, de enredo olímpico, parecia direcionada a ser um momento emotivo. Não era. Do nada, surgiu Mr. Bean, o sujeito atrapalhado que o ator Rowan Atkinson tornou famoso mundo afora. Ele tocou piano, sempre na mesma nota, acompanhando a música, com cara de tédio. Pegou o celular para fazer fotos. E adormeceu. Acabou sonhando que estava em uma corrida. E que conseguia vencê-la - trapaceando, claro.
Uma forte sequência musical agitou o estádio. O pop e o rock britânicos foram lembrados com alguns de seus principais clássicos: "My Generation", do The Who, "Bohemian Rapsody", do Queen, e "Starman", de David Bowie, serviram como parte da trilha sonora. A mudança de ritmos ao longo dos anos foi mostrada na apresentação, que também lembrou a revolução tecnológica que acompanhou as transformações culturais, com a internet alavancando a era da conectividade.
A empolgação foi cortada para um momento de reflexão, de lembrança aos mortos. Emeli Sande cantou a música "Abide With Me", composta por Henry Fancis Lyte em 1847. Ele morreu três semanas depois de finalizá-la. A canção virou um hino para os britânicos. E foi a senha para, em seguida, começar o desfile das delegações.
Mas a maior expectativa era pelos shows. E por Paul McCartney em especial. O clima beatlemaníaco já foi animado com a banda "Arctic Monkeys", que apresentou a música "Come Togheter", um dos grandes clássicos do grupo de Liverpool. Entre um show e outro, aconteceram os discursos oficiais, incluindo a declaração de abertura, de parte da Rainha.
Antes de Paul subir ao palco, ocorreu o hasteamento da bandeira olímpica (carregada por Marina Silva, ao lado de outras sete personalidades políticas, e levada às mãos de Muhammad Ali) e o acendimento da tocha. Ela chegou de lancha, com David Beckham, e depois foi carregada por outros atletas até as mãos de sete promessas do esporte britânico. Foram eles que acenderam uma estrutura, como se fosse uma flor com pétalas em chamas, que depois se ergueu no centro do gramado.
E veio a vez de Paul. Ele começou a apresentação com "The End". Depois, cantou "Hey Jude", quando o relógio já marcava quase quatro horas de festa. O estádio se emocionou. E os atletas dançaram, cantaram, brincaram, cobertos pela luz saída da tocha. Se houve um momento para cair a ficha de que eles estão nas Olimpíadas de Londres, foi aquele.