Por CBTM
Para os atletas, era uma viagem um tanto assustadora, mas bastante curiosa. Para o mundo, as raquetadas dos mesa-tenistas eram uma importante transformação geopolítica.
Em 1971, aqueles atletas se tornaram o primeiro grupo oficial dos EUA a pisar na China comunista desde a revolução de 1949.
A viagem, que para muitos começou como brincadeira, ganhou caráter histórico. Tornou-se um marco na abertura do país ao Ocidente. Movimento que, nos anos seguintes, com as relações entre os países consolidadas, levaria a China ao atual status de potência.
DA REPORTAGEM LOCAL
Glenn Cowan, um californiano de 19 anos, rompeu a barreira de seguranças que acompanhava a delegação norte-americana e ganhou as ruas. Cabelos longos, calça jeans manchada, bandana vermelha, em poucos minutos arrastava atrás de si uma multidão de curiosos.
"Os chineses olhavam para nós como se fôssemos alienígenas. E nós éramos mesmo, se você pensar que muitos nunca haviam visto um norte-americano na vida", declarou à Folha o ex-jogador Tim Boggan.
Outros o tinham feito pela última vez durante a Guerra da Coréia (1950 a 1953).
Se os norte-americanos causaram curiosidade entre os chineses, o primeiro contato com o país comunista também impressionou os visitantes.
O convite ocorreu durante o Mundial do Japão. Alguns atletas, como Boggan, intuíram que aquela era uma viagem apenas simbólica, e não uma competição real de tênis de mesa. Outros decidiram aceitar o convite por curiosidade.
"Tudo o que eu sabia sobre a China vinha dos livros e da TV, que mostravam coisas como fome e desrespeito aos direitos humanos. Eu só sabia que não estava indo para uma viagem comum, mas não imaginava que participava de algo tão importante", disse Connie Sweeris, em entrevista após a visita.
Para os dois grupos, no entanto, o primeiro contato com o país foi impactante.
"Fui arrebatado pela insipidez de uma cidade grande como Guangzhou [capital da mais rica Província, o antigo Cantão]. Havia montes de entulho, edifícios sem pintura, animais levando carros, muitas bicicletas", diz Boggan, que ainda se lembra da combinação de hinos e músicas marciais tocada para recepcioná-los.
Durante a viagem, de 10 a 17 de abril, os norte-americanos foram levados para um tour pelas principais atrações turísticas de Pequim e região.
No restante do tempo, ficavam sempre em locais controlados. O que aumentou ainda mais a ignorância dos viajantes sobre a importância da visita.
"Eu estava muito contente, mas tinha medo. Eu não tinha idéia do que era a China. Eu sou americana, era um mundo totalmente diferente. Só soube o valor do que eu tinha feito quando voltei aos EUA", diz Olga Soltesz, 17 anos à época.
"Meu filho um dia achou uma foto minha na Grande Muralha em seu livro escolar. Acho que foi quando eu tive noção do que aconteceu. Quando viajei de volta para lá, percebi que foi nosso grupo quem ajudou a tornar essas viagens possíveis", afirma Connie.
Ao chegarem em casa, os jogadores viraram celebridades e perderam a conta das entrevistas concedidas e dos artigos escritos para revistas e jornais.
As surpresas com a China, no entanto, não ficaram restritas à primeira viagem. As transformações do país nos últimos anos se tornam ainda mais impressionantes quando o visitante tem como parâmetro memórias de quase 40 anos.
Às vésperas de a China mostrar sua força na Olimpíada, veteranos da "diplomacia pingue-pongue" ainda se espantam com as transformações realizadas pelos chineses.
Olga voltou a Pequim na festa de 35 anos da excursão. Reconheceu velhos amigos, mas não o país que eles habitam.
"Não se parecia com nada do que vi. Antes, as pessoas andavam praticamente com a mesma roupa, agora estão na moda. Há lojas, shoppings, as pessoas andam na rua como nos EUA. É incrível como um país tão fechado se abriu e, apesar de ainda ter um regime totalitário, parece mais democrático", diz.
"Sou sortuda de ter conhecido esses dois mundos. O primeiro não tem nada a ver com o novo. É um privilégio."
(LUÍS FERRARI E MARIANA LAJOLO)
Publicado pela Folha de São Paulo em 01/06/2008